‘Grade da Tortura’ leva pesadelo a moradores da Av. 9 de Julho
Barulho incessante de grade solta, faz com que moradores sofram há mais de 8 anos
Ação Civil Pública é aberta contra a prefeitura de São Paulo representando mais de 3 mil moradores da Av. 9 de Julho, altura do nº 600, que diariamente sofrem com o barulho de uma grelha instalada no meio da via para escoamento de águas da chuva. Há mais de 8 anos eles reclamam do som emitido por essas grades, que extrapola todos os limites legais de ruído quando carros passam sobre elas. A Ação pede medidas para garantir “patamares mínimos de qualidade de vida” aos habitantes do entorno.
“Como se fossem tiros, ou uma explosão”, é assim que muitos moradores definem o impacto do som das grades em suas vidas, que perdura praticamente 24 horas por dia. Esta grelha foi instalada para auxiliar no escoamento das águas da chuva, mas elas estão desgastadas e geram um estrondo forte a cada vez que um carro passa pelo local. E como estamos falando de uma das avenidas mais movimentadas da cidade, esse barulho é constante, inclusive na madrugada, quando carros e ônibus passam em alta velocidade e o som emitido é ainda maior.
A grade foi instalada em 2008, em substituição a uma outra já existente. Em meados de 2013 ela começou a apresentar desgaste e o barulho começou. Moradores de 8 condomínios diferentes colecionam chamados na prefeitura. Eles registram a reclamação e uma equipe vai ao local refazer a solda na grelha, serviço que costuma durar 4 semanas, mas a solda sempre se rompe com a passagem de veículos. O último reparo foi feito no dia 20 de fevereiro deste ano e no começo de abril o barulho voltou.
Para atestar a gravidade do problema e o impacto dessa poluição ambiental, a Amphibia, instituição de cunho socioambiental formada por alunos e professores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, detectou que o barulho da vibração das grelhas chega a 83.5 decibéis, ultrapassando todos os limites permitidos de ruído. Conforme o artigo 113 da Lei Municipal nº 16.402/2016, os limites de ruído para regiões classificadas como ZEIS 3 (região na qual a grade está localizada) são de 55db no horário das 7h00 às 19h00, 50db entre 19h00 às 22h00 e 45db das 22h00 às 7h00.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a poluição sonora pode causar sérios danos à saúde. Além dos prejuízos à audição, o barulho excessivo pode causar aumento da pressão sanguínea, interrupção do processo digestivo, problemas psiquiátricos e cardiovasculares, entre outros males gravíssimos à saúde humana.
Em 2013, quando o barulho da grade começou a impedir que os moradores dormissem, várias pessoas começaram a abrir chamados na prefeitura. Um casal de idosos ia presencialmente na subprefeitura, dava entrada nos papéis, mas eles faleceram sem ver a solução do problema. A síndica do prédio tomou a frente das reclamações, mas ela também veio a falecer, vítima de câncer.
“O zelador, que morava no térreo, e sofria com o barulho, começou a brigar com a prefeitura, mas ele morreu com um problema cardíaco. Foi aí que eu entrei”, relata a enfermeira Simone Campos, moradora há 25 anos de um dos condomínios que mais sofrem com o barulho, pois fica exatamente em frente à grade. Ela coleciona chamados na prefeitura e já abriu processo até no Ministério Público. “Eu agora estou em tratamento psiquiátrico, estou tomando ansiolítico por causa da ansiedade. Sinto muito sono, fecho a casa toda, mas não consigo dormir”.
“Sou Trabalhadora de serviço essencial e não tive o direito de descansar dentro da minha casa por conta desse barulho”, contou a metroviária Camila Farão, de 31 anos. “Moro há 9 meses na 9 de Julho, entrei no programa Minha Casa Minha Vida e financiei meu apartamento em 30 anos. Era o sonho da casa própria, mas virou um pesadelo”. Ela não consegue dormir e já gastou dinheiro com janela antirruído, aparelhos de ruído branco, mas nada abafa o estrondo das grades porque o som é muito alto. Camila também já cansou de abrir chamados na prefeitura. “Nós somos tratados como baratas, os incomodados que se mudem”, complementa a metroviária.
O drama dos mais de 3 mil moradores do entorno das grades se intensificou com a pandemia. Sem ter como sair de casa, eles tiveram que suportar o barulho 24 horas por dia. Muitos precisam trabalhar de casa, mas não conseguem se concentrar, nem fazer reuniões online e à noite também são impedidos de dormir. Alguns já até tentaram vender o apartamento e se mudar, mas devido ao problema os imóveis estão desvalorizados.
Risco de acidentes
Em dias de chuva, o Rio Saracura, canalizado embaixo da Av. 9 de Julho, transborda e acaba suspendendo as grelhas, podendo causar graves acidentes de trânsito. Moradores relatam que diversos motoqueiros já se acidentaram por causa do desnivelamento das grades e alertam para o risco de acidentes fatais.
A quantidade de chamados abertos nos canais de atendimento da prefeitura é incalculável. Moradores também já foram presencialmente na Subprefeitura, Câmara Municipal e acionaram órgãos como Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, a Secretaria Municipal de Urbanismo, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), Secretaria Municipal de Infraestrutura (SIURB), entre outras autoridades municipais. Nada foi resolvido nesses 8 anos de tortura, foram realizadas apenas soldas nas grades, algo que dura apenas algumas semanas e a cada dia a saúde desses cidadãos torna-se mais prejudicada.
“A exposição prolongada à poluição sonora pode causar impactos negativos à saúde da população. O problema é que muitas vezes esse impacto é sentido a médio e longo prazo e as pessoas não associam os problemas auditivos (perda auditiva, zumbido) ou o stress generalizado ao ruído que ela é exposta diariamente. Esse stress generalizado afeta o sistema cardiovascular, causa distúrbios cardíacos e respiratórios, além de alterações na saúde física e mental.” explica a engenheira ambiental Fabiana Lucena.
“Essas grades são o barulho do descaso e do desrespeito à nossa vida”, diz o ilustrador Maurício Hornek. Ele relata que em seu primeiro momento de consciência quando acorda, antes mesmo de abrir os olhos, já ouve o barulho das grades. “É como acordar angustiado”. E Maurício também diz que no 156 (canal de atendimento da Prefeitura) já não é mais possível resolver nada. Quando conseguem ser atendidos por alguém e pedem para colocar os cones (dessa forma os carros não passam pelas grades durante a madrugada e todos podem dormir) sempre são questionados sobre o quanto isso pode atrapalhar o trânsito. “Isso soa ofensivo. O que importa para eles são os carros”, complementa ele.
Após ter conhecimento das péssimas condições de vida desses 3 mil moradores, o Centro de Assistência Jurídica Saracura (CAJU) entrou com Ação Civil Pública contra a prefeitura de São Paulo solicitando que providencias sejam tomadas.
“Cansados de sofrer com o barulho incessante das grades da 9 de Julho, os moradores locais procuraram os advogados do CAJU e construímos em conjunto uma Ação Civil Pública. Nela, pedimos ao judiciário a substituição imediata das grades e a indenização às mais de 3 mil pessoas atingidas pela poluição sonora. A prefeitura é obrigada por lei a zelar pelo conforto acústico dos seus cidadãos. No caso das grades da 9 de Julho, o barulho chega a 83,5 decibéis e extrapola todos os limites legais de ruído previstos para aquela região. Imagine o que é viver com o equivalente ao som de uma campainha estridente tocando sem parar, dia e noite. Não é possível conceber uma vida humana, digna e saudável sob essas condições. Se essas grades estivessem ao lado da casa do prefeito, já teriam sido substituídas”, diz o advogado Matias Falcone, fundador do Centro de Assistência Jurídica Saracura (CAJU).
A Ação solicita a troca da grelha por uma nova que não apresente os mesmos problemas. Engenheiros já apontaram que o ideal seria a troca por grelhas de cimento polimérico, feitas à base de cimento e acrílico de alta aderência.
E enquanto não for possível efetuar a troca da grelha, pedem em caráter “cautelar e provisório” que todos os dias, das 22h00 às 7h00, cones sejam colocados no local e que o trânsito seja desviado das grades por meio de sinalização adequada, de modo a garantir que essas pessoas possam ter uma noite de sono. Essa medida já foi adotada algumas vezes e ameniza o problema sem impactar o trânsito, com menor fluxo de veículos nesse horário.
“Diante deste quadro alarmante de poluição sonora, prejuízo à qualidade de vida e danos à saúde dos moradores da Av. 9 de Julho, que se prolonga há mais de 8 (oito) anos sem solução, não resta alternativa senão o ajuizamento da presente ação civil pública, com o fim de resguardar os interesses e direitos da coletividade afetada pela OMISSÃO do poder público.”
“Eu reclamo com a prefeitura sobre essa grade desde 2009, quando não existia o 156 e tinha um Fale Conosco. Tenho reclamações desde 2011 e nada. Não acredito mais na prefeitura eu não sei mais para quem reclamar”, Lizete Lório, economista. “Passei por um momento muito difícil na minha vida, meu marido teve câncer em 2017. Imagine uma pessoa debilitada, sofrendo com efeitos colateriais de um tratamento de câncer e tendo que ficar no apartamento”.
“Em 2014, após uma matéria da Rede Globo, o secretário de Infraestrutura Urbana e Obras afirmou que iria pedir urgência para resolver o problema e que dentro de alguns meses a obra seria iniciada. Vieram e prometeram que iriam acompanhar toda obra até a conclusão, o que fizeram foi soldar, aliás é o que eles fazem todas as vezes e não adianta nada. Essa grade tem que ser trocada. Precisamos de paz!”, conta Maria Aparecida Portellinha, aposentada.
Pessoas estão desenvolvendo sérios problemas de saúde em uma das maiores avenidas da cidade. Já não há mais qualidade de vida para os 3 mil moradores vizinhos à Grade da tortura da 9 de Julho. Nessa Selva de Pedra habitam humanos que sofrem com todos os problemas dessa concretização de vidas.